Um nome incontornável para qualquer entusiasta da alta relojoaria é o da ETA SA, mas não encontrará à venda nenhum relógio com este nome. A ETA SA Manufacture Horlogère Suisse é o principal fabricante mundial de componentes para relógios, autores de movimentos mecânicos e de quartzo, que há séculos equipa grande parte das relojoarias, incluindo algumas das mais conceituadas casas.
Imagine uma fábrica de motores para automóveis que constrói e equipa 80% das marcas que existem. Cria os motores e equipamentos adjacentes de uma forma matricial e básica, vendendo-os num formato segundo o qual cada marca os pode completar e desenvolver da forma que pretende, de acordo com as características dos modelos que procura comercializar.
Transportando esse conceito para o mundo dos relógios, é exactamente isso que a ETA SA tem vindo a fazer desde 1773.
A ETA SA teve origem no final do século XVIII num atelier especializado em ébauches, movimentos básicos e inacabados que são comercializados às relojoarias, de acordo com o conceito anteriormente descrito. Ao longo de mais de dois séculos de experiência, várias empresas deste tipo foram crescendo e evoluindo, tornando-se cada vez mais experientes e eficientes.
Ao mesmo tempo, os departamentos de produção de algumas marcas foram-se sobrepondo à própria marca, tornando-se entidades independentes: foi assim que surgiu inicialmente o nome ETA SA, uma extensão dos relógios Eterna (hoje propriedade e comercializados sob o nome Porsche Design).
Com o passar do tempo, empresas históricas especializadas na concepção de ébauches foram-se conglomerando numa única, através de parcerias e fusões. Marco após marco, foram escrevendo a história da evolução da relojoaria, ao mesmo tempo que se tornavam um dos principais motores de resistência ao ataque do quartzo na década de 70. Em 1982 o grupo criava um pequeno relógio com movimento de quartzo, com componentes baratos em plástico: o Swatch.
Década e meia depois, o grupo e as suas empresas parceiras seriam unidos sob um único nome: o Grupo Swatch, principal conglomerado mundial da relojoaria. A ETA SA fornece movimentos e componentes não só para o grupo a que pertence, mas também para a grande maioria das marcas, incluindo algumas das principais casas de alta relojoaria.
“Porque é que havemos de estar a criar um departamento de produção de movimentos se podemos recorrer a quem os faz por nós, com uma qualidade dificilmente igualável?”
Durante décadas, esta há de ter sido a pergunta que muitas relojoarias se colocaram, levando a que se dedicassem antes ao desenvolvimento de outros aspectos nos seus relógios – aquilo que verdadeiramente os torna únicos.
“Porque é que havemos de “dar” aos outros aquilo que nós fazemos?”
Esta foi, certamente, a pergunta que Nicholas Hayek (presidente do Grupo Swatch) colocou a si próprio. Em 2002, o anúncio caiu que nem uma bomba: a partir de Novembro de 2005, a ETA SA iria deixar de disponibilizar as ébauches a terceiros, limitando-os às empresas do grupo. Muitos interpretaram isto como a machadada fatal, mas Hayek justificou-a sob uma perspectiva bem diferente.
A ETA SA trabalhava já no máximo da sua capacidade, e as encomendas eram cada vez mais. Porque é que a indústria da alta relojoaria não haveria de desenvolver os seus próprios meios de produção, estimulando assim a concorrência, o crescimento e o desenvolvimento de diferentes alternativas?
As queixas de abuso de posição dominante levaram à intervenção das entidades suíças responsáveis pelo comércio, e acabaram por dar razão aos queixosos. Como consequência, a ETA SA seria obrigada a continuar a fornecer livremente as suas ébauches até ao final de 2008, entrando nessa altura num processo de descontinuação faseado até 2010.
Mas Nicholas Hayek tinha razão.
Fruto da revolução lançada pelo explosivo anúncio de 2002, muitas das relojoarias estão já a desenvolver as suas próprias extensões de investigação, concepção e desenvolvimento de movimentos, não só como resposta ao fim do fornecimento por parte da ETA SA, mas também como meio de progredir os seus próprios meios.
O grupo LVMH (entre outras, detentor da Chaumet, Hublot e TAG Heuer) está a apostar mais que nunca na Zenith, outra marca que integra, e que sempre se caracterizou por ter o seu próprio ramo de produção.
O grupo Richemond, outro gigante, detentor de marcas como IWC, Jaeger LeCoultre, Montblanc, Panerai, ou Van Cleef & Arpels, está também a apostar forte neste campo: algumas das suas subsidiárias estão a desenvolver as suas próprias linhas de investigação, e o próprio grupo adquiriu a Minerva, que desenvolve também os seus próprios movimentos.
Muitos dirão que a opção da ETA SA foi exactamente aquilo que a indústria relojoeira necessitava: um agitar de águas capaz de a revitalizar.
Mas conseguirão fazer frente aos mais de dois séculos de avanço que a ETA SA leva?